Considerações sobre a exploração de minerais nucleares no Brasil
Por Solange Costa, Victor Jardim Domingues, Antonio Carlos de Oliveira Andrade e Clara Souza*
A pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados constituem monopólio da União no Brasil, de acordo com a Constituição Federal (art. 177, V ), bem como o Código de Mineração, sendo certo que a ocorrência de minerais radioativos ou nucleares devem ser imediatamente comunicados ao Ministério de Minas e Energia (art.90, caput e §2º ).
O urânio é utilizado, basicamente, para a produção de energia, dentro de usinas nucleares, e para a propulsão nuclear de submarinos. A intenção do Ministério de Minas e Energia (MME) do Governo Federal sempre foi no sentido de retomar o Programa Nuclear Brasileiro, que prevê, entre outras ações, o estudo de mapeamento de novas jazidas no país, além de aumentar a participação da energia nuclear na matriz energética e posicionar o Brasil como ator internacional relevante no setor. Atualmente, o Brasil ocupa a nona colocação de reserva de urânio no mundo.
Nessa linha, a partir da edição da recém editada Lei nº 14.514, de dezembro de 2022, pode-se dizer que o Governo Brasileiro reforçou a intenção acima mencionada com a chamada “relativização” do monopólio para os minerais nucleares, conforme estabelecido pela CF/88, na medida em que permite que a Indústrias Nucelares do Brasil (INB), empresa pública responsável pela execução desse monopólio no país, estabeleça parcerias com empresas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, por meio de contratos que os remunere, considerando uma das seguintes formas: pagamento de valor em moeda corrente por aquisições de bens e serviços; direito a percentual do valor arrecadado na comercialização do produto da lavra, conforme definido em contrato; direito de comercialização do minério associado; direito de compra do produto da lavra com exportação previamente autorizada, conforme definido em contrato e regulamento; ou outras formas estabelecidas entre as partes em contrato.
Vale lembrar que, em conformidade com a Lei 14.514/22, a amplitude das atividades exercidas pela INB com o objetivo de cumprir o monopólio de minerais nucleares da União engloba a execução de pesquisa, a lavra e o comércio de minérios nucleares e de seus concentrados, associados e derivados, bem como seu tratamento e desenvolvimento; a construção e operação das instalações de tratamento, beneficiamento e industrialização; e a comercialização e gerenciamento, nos mercados interno e externo, de bens e serviços de seu interesse.
Ainda, como parte do incremento do Programa Nuclear Brasileiro, foi editada a Lei nº 14.222, de outubro de 2021, que cria a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), além de alterar e revogar outras normas que tratavam da questão nuclear no país. A ANSN, autarquia federal com patrimônio próprio, tem como objetivo o monitoramento, regulação e fiscalização da segurança nuclear, além da proteção radiológica das atividades e das instalações nucleares, materiais nucleares e fontes de radiação no território nacional, para fins de cumprimento da Política Nuclear Brasileira.
Em resumo, percebe-se que há a possibilidade de que os minerais nucleares sejam explorados com a participação de terceiros (nacionais ou estrangeiros), devendo o detentor do título minerário, seja pesquisa ou lavra, comunicar imediatamente ao MME a existência do mineral nuclear identificado para que a INB realize estudos de viabilidade técnica e econômica para a definição da forma de aproveitamento do recurso mineral nuclear, que incluirão a apuração do valor econômico do elemento nuclear e da substância mineral pesquisada ou lavrada na jazida.
Caso os estudos indiquem a ocorrência de elementos nucleares em quantidade cujo valor econômico seja superior ao valor da substância mineral pesquisada ou lavrada (em caso de elementos associados), o aproveitamento dos recursos minerais presentes na jazida somente ocorrerá por meio de associação entre a INB e o titular da autorização de pesquisa mineral ou da concessão de lavra, com o controle da INB sobre o aproveitamento dos elementos nucleares; ou encampação do direito minerário pela INB, que implicará a transferência, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), do direito minerário do titular para a INB, mediante indenização prévia, que considerará, na forma prevista em regulamento, o estudo de viabilidade técnica e econômica para a definição do prêmio pela descoberta e o reembolso das despesas efetivamente realizadas e ainda não amortizadas, atualizadas monetariamente.
Por fim, caso os estudos indiquem a ocorrência de elementos nucleares em quantidade cujo valor econômico seja inferior ao valor da substância mineral pesquisada ou lavrada, a autorização para pesquisa ou a concessão de lavra será mantida, desde que observadas algumas ações, que deverão ser cumpridas pelo minerador, a depender da viabilidade técnica e econômica do elemento nuclear de interesse, podendo este, em caso positivo, ser disponibilizado e entregue à INB ou disposto da forma ambientalmente adequada, a depender do caso.
Das Etapas de Licenciamento para a atividade minerária de materiais nucleares
Para a execução da exploração de minério nuclear – mesmo que em parceria com a INB – deverá o empreendedor requerer tanto o licenciamento ambiental quanto a autorização/licenciamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Em se tratando de Licenciamento Ambiental, a Lei Complementar 140/2011 dispõe, em seu art. 7º XIV, alínea g), que compete à União o licenciamento de atividade destinadas a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da CNEN. Assim, a competência para o licenciamento será do órgão ambiental federal, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O Ibama, por sua vez, estabelece os procedimentos – por meio da Instrução Normativa 19/2018 (Ibama) – para o uso e manuseio de radioisótopos (UMR), os quais englobam as atividades de pesquisa, lavra, produção, beneficiamento, transporte, armazenamento e disposição de material radioativo (art. 1°).
Vale dizer que, após autorização/permissão emitida pela CNEN, o Ibama definirá qual empreendimento se enquadra no Licenciamento Ambiental Federal (LAF) – art.3° –, podendo delegar sua competência originária para as esferas estaduais ou municipais, caso entenda de menor impacto ambiental e periculosidade.
Durante o processo de Licenciamento Ambiental Federal, os empreendimentos deverão elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e correspondente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) ou o Relatório Ambiental Simplificado (RAS) – arts. 6° e 7º –, conforme os parâmetros definidos no Anexo da IN 19/2018:
O UMR poderá ser dispensado do licenciamento ambiental quando o documento técnico emitido pela CNEN informar não haver índice de radiação. Ademais, os empreendimentos não licenciados pela CNEN, como o depósito de rejeitos classe 0 e instalações minerais menores que 10 Bq/g, têm impactos ambientais menos significativos e, portanto, não são objetos de licenciamento pelo Ibama.
Ainda, do ponto de vista regulatório, a atividade de mineração nuclear deverá ser autorizada pela CNEN, que regulamenta seus procedimentos pela Portaria CNEN DExl 03/89, estabelecendo os requisitos e as etapas necessárias para o processo de licenciamento, além de especificar o conteúdo exigido nos documentos solicitados (e complementada pela CNEN NE 1.04 – Licenciamento de Instalações Nucleares).
O processo geral de licenciamento regulatório de uma mina e/ou usina de atividade nucleares envolve, necessariamente, a solicitação pelo requerente e a emissão pelo CNEN dos seguintes atos: a) Aprovação do Local (para abertura e lavra da mina e/ou construção da usina); b) Licença de Construção (total ou parcial); c) Autorização para Utilização de Material Nuclear; d) Autorização para Operação Inicial; e e) Autorização para Operação Permanente.
Os requerimentos deverão conter a estrutura organizacional da mina e a distribuição interna das responsabilidades funcionais, bem como as exigências específicas e demais documentos necessários para cada fase, contidas nos itens 5.1 a 8.1 da Portaria CNEN DExl 03/89.
Após a obtenção das aprovações e da licença mencionadas nos itens a) a c) acima, procederá o CNEN à Autorização para Operação, que será concedida em duas etapas. A primeira é a Autorização para Operação Inicial (AOI) – emitida após verificado que a construção está substancialmente concluída, bem como realizada a avaliação do Relatório Final de Análise de Segurança (RFAS) e dos resultados dos testes pré-operacionais, e constatada a inclusão na instalação nuclear de todas as condições suplementares de segurança exigidas pela CNEN durante a fase de construção.
Em seguida, será emitida a Autorização para Operação Permanente (AOP) – após verificado que a construção da instalação está substancialmente concluída de acordo com as disposições legais, regulamentares e normativas vigentes e com as condições das licenças de construção e seus aditamentos e que há garantia suficiente de que a operação inicial pode ser conduzida sem riscos indevidos à saúde, à segurança da população e ao meio ambiente, entre outros requisitos apontados na Portaria CNEN DExl 03/89.
[1]Constituição Federal - Art.
177. Constituem monopólio da União:
...
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus
derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e
utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas
b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta
Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de
2006)
[1] Código de Mineração – Art. 90. Quando se verificar em jazida em lavra a concorrência de minerais radioativos ou apropriados ao aproveitamento dos misteres da produção de energia nuclear, a concessão só será mantida caso o valor econômico da substância mineral, objeto do decreto de lavra, seja superior ao dos minerais nucleares que contiver.
§ 1º - Quando a inesperada ocorrência de minerais radioativos e nucleares associados suscetíveis de aproveitamento econômico predominar sobre a substância mineral constante do título de lavra, a mina poderá ser desapropriada.
§ 2º - Os titulares de autorizações de pesquisa
ou de concessões de lavra, são obrigados a comunicar, ao Ministério de Minas e
Energia, qualquer descoberta que tenham feito de minerais radioativos ou
nucleares associados à substância mineral mencionada no respectivo título, sob
pena de sanções.
(*) Solange Costa, Victor Jardim Domingues, Antonio Carlos de Oliveira Andrade e Clara Souza são advogados do escritório Mello Torres.
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