Não existe minério pobre, existe minério mal beneficiado

Por Conexão Mineral 03/04/2024 - 20:03 hs
Foto: MOPE
Não existe minério pobre, existe minério mal beneficiado
Concentração Seletiva é uma solução para reduzir a geração de rejeitos finos

Por Alexis Yovanovic*

Apesar do triste histórico de tragédias ocorridas no Brasil envolvendo barragens de rejeitos de mineração, o setor mineral segue ignorando o tema da redução na geração de rejeitos, principal fonte de insegurança nas barragens, o que contradiz o seu compromisso público firmado com a Agenda ESG.

Vivemos no Brasil uma escassez de estatísticas oficiais sobre a quantidade de rejeitos de mineração gerados pela indústria no país, no entanto, um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2012, trouxe dados importantes sobre a geração de rejeitos da mineração no decênio 1996-2005, a partir da análise de quatorze substâncias minerais, sendo que o ferro (35,08%) e o ouro (13,82%) foram os que mais contribuíram para a geração de rejeitos no período. Uma projeção de cenário futuro da geração de rejeitos também foi elaborada, partindo de 348 milhões de toneladas em 2010 para 684 milhões de toneladas em 2030. No cenário estudado, o ferro permaneceu como a principal substância geradora de rejeitos.


A partir das tragédias de Mariana e Brumadinho, a indústria da mineração reagiu aos desastres auditando a segurança das barragens existentes. O mercado de máquinas, insumos e serviços aproveitou a oportunidade para estimular novas instalações de filtragem e estratégias de disposição, incrementando o investimento e a atividade de processamento de rejeitos em excesso, sem resolver o problema do seu exponencial incremento a partir dos próprios depósitos. A discussão sobre a redução na geração, que deveria nascer no seio das mineradoras, ainda permanece intocada pela indústria, academia e sociedade. 

Com uma estimativa de geração de rejeitos de mineração na escala superior a 500 milhões m³/ano (Brasil) e uma tendência de crescimento devido à queda gradual dos teores nas jazidas, os riscos envolvidos na manutenção desse paradigma deveriam ser inadmissíveis, mas não o são. Apesar disso, o setor mineral tem estimulado iniciativas que visam o eventual reaproveitamento comercial desse crescente fluxo. Como reaproveitar os rejeitos de mineração na mesma proporção do ritmo de sua geração? A melhor solução para os rejeitos de mineração é reduzi-los ao mínimo. 

Ao moer e concentrar todo o material que vêm do ROM, as rotas de beneficiamento ditas convencionais beneficiam cada vez mais ganga, aumentando a geração de rejeitos finos. As rotas convencionais (“mói e flota tudo”) são pouco compatíveis com o minério de baixo teor e geram enormes volumes de rejeitos, colocando em risco a população e o meio ambiente e, como observado nesses últimos anos, existe perda de eficiência de muitas mineradoras que moem e concentram cada vez mais minério para produzir o mesmo conteúdo metálico.

Há um consenso de que a queda gradativa do teor nas jazidas é uma realidade irreversível. A melhor estratégia de beneficiamento para enfrentar esse cenário é caracterizar o minério e aproveitar ao máximo sua eventual heterogeneidade, fragmentando-o através de britagem seletiva, enriquecendo o fluxo e reduzindo a tonelagem que segue até as operações mais caras da usina, com estratégias de pré-concentração. É possível descartar ganga grosseira só por peneiramento, ainda na etapa de britagem e também poeira, seguindo com algumas operações unitárias especificas de pré-concentração para cada tipo de mineral processado (como separação magnética a seco) e, eventualmente, operações de sorting, o que diminuiria custos e o “tamanho” das caras operações de moagem e concentração. Em operações correntes (Brown Field), a mesma concentradora poderia produzir muito mais conteúdo metálico no seu produto.

Na sequência, considerando uma moagem primária seletiva com baixo enchimento de bolas (circuito aberto) e eventual suporte de peneiras de alta frequência, são moídas preferencialmente partículas maiores e/ou mais densas que afundam no moinho, eliminando moagem desnecessária de ganga e reduzindo o consumo de água e energia. A ganga granulada pode ser capturada no material retido nas peneiras e descartado antecipadamente, no lugar de seguir para o coração da planta de beneficiamento.

Com a adoção de estratégias de Concentração Seletiva é possível reduzir drasticamente a geração de rejeitos finos, produzir mais conteúdo metálico com menores custos, aproveitar melhor os recursos minerais (reduzir inclusive o teor de corte na mina) e chegar ao meio ambiente com quantidades mínimas de rejeitos finos até as barragens, reduzindo significativamente o consumo de água e energia. Estudos da MOPE indicam que para grandes mineradoras destinadas à produção de PF em MG, a geração de rejeito fino hidrofóbico (de flotação) poderia ser reduzida a quase 5 ou 10 vezes. Não existe minério pobre, existe minério mal beneficiado.

Agenda ESG 

Devido à pressão dos fundos de investimentos que precisam garantir a rentabilidade dos seus investimentos, o setor mineral criou a “Agenda ESG da Mineração” como uma resposta ao interesse dos acionistas, porém, a mineração ainda não se apropriou da pauta da redução na geração de rejeitos, que é do interesse da sociedade. O modelo de produção que causa insegurança e desastres, além de reduzir a produtividade das mineradoras, não dá para ser vendido como mineração sustentável. A apropriação da redução na geração de rejeitos de mineração pela “Agenda ESG da Mineração” é urgente, uma vez que o cenário à nossa frente tende a piorar se continuarmos nessa toada.

(*) Alexis Yovanovic é Diretor Técnico da empresa MOPE – Processos Minerais