Considerações sobre a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados

Análise do advogado João Raso, da Mendo de Souza Advogados Associados

Por Conexão Mineral 05/09/2017 - 09:02 hs
Foto: Mendo de Souza Advogados Associados
Considerações sobre a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados
João Raso, advogado da Mendo de Souza Advogados Associados

Por João Raso*

Foram recentemente emanados pelo Governo Federal os Decretos n°s 9142/2017 e 9147/2017, que promoveram a extinção da, até então pouco conhecida para aqueles que não atuam no setor mineral, Reserva Nacional do Cobre e Associados - Renca, criada pelo Decreto n° 89.404/1984.

Tal extinção provocou em vários setores da sociedade grande clamor, por entenderem, erroneamente, que se estaria diante de revogação de reserva ambiental por ato do Executivo, ou mesmo da publicação de norma que incentivaria o desmate da região da Amazônia.

Diante, portanto, da desinformação que vem sendo amplamente veiculada, cumpre elucidar a questão, trazendo os dispositivos legais aplicáveis e inserindo a Renca em seu devido contexto.

Como vem sendo parcialmente veiculado pela mídia não especializada, a Renca foi criada pelo Governo Militar em 1984, por entender-se, à época, que se tratava de região com grande potencial mineral e que, portanto, tratar-se-ia de região estratégica ao desenvolvimento do país.

Por isso, estabeleceu-se que a execução de trabalhos de pesquisa mineral na área abrangida pelos limites da referida Reserva seria facultada à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM e que os trabalhos de lavra de cobre e de minerais a este associados somente poderiam ser realizados na área por empresas com as quais a CPRM houvesse negociado os resultados dos trabalhos de pesquisa.

Ocorre que, sendo o Brasil país de dimensões continentais e tendo a CPRM diversas limitações financeiras, legais e de corpo técnico, nunca foi possível levar adiante o plano do Governo Militar de incentivar a mineração na área, a partir da promoção da pesquisa geológica na região, para posterior negociação com empresas terceiras. Na prática, a inoperância implicou no bloqueio daquela área para que fossem realizadas atividades de pesquisa e lavra ao longo dos anos.

O que o Governo Federal pretendeu, portanto, por meio dos referidos Decretos 9142 e 9147/2017, foi desvincular a exclusividade na realização dos trabalhos de pesquisa pela CPRM, para que fosse dado à área que se encontrava, até então, sob a Renca, o mesmo tratamento jurídico dispensado às demais regiões do território nacional.

Assim, cumpre, já neste ponto, esclarecer que a Renca não se tratava de reserva de cunho ambiental, mas, muito pelo contrário, de área especialmente reservada com o intuito de que fosse promovido o melhor conhecimento geológico local, para que, posteriormente, fossem transferidas as jazidas encontradas a terceiros, para sua exploração econômica, sempre nos termos das normas ambientais vigentes.

Em virtude disso, em que pese não terem sido promovidas (salvo clandestinamente) pesquisa e lavra na região, nunca se tratou de região em que essas atividades fossem vedadas.

Pelo contrário, se a CPRM tivesse se desenvolvido de modo que lhe fosse possível promover todas as atividades de pesquisa que lhe foram facultadas, essa área possivelmente teria sido objeto de diversos títulos minerários nos últimos anos.

Por outro lado, cabe também apontar que a revogação da Renca não implica na revogação ou alteração de qualquer unidade de conservação, área indígena ou qualquer outro tipo de espaço especialmente protegido, pois essas normas, autônomas que são, continuam vigentes em que pese a revogação da Renca.

Assim, por óbvio que a eventual outorga de títulos minerários na área da extinta Renca somente poderá ser feita onde não houver conflito com áreas em que a mineração é proibida e/ou naquelas em que não for compatível sua coexistência com outras destinações igualmente relevantes, como a preservação ambiental de espaço delimitado.

Nesse sentido, importante destacar que o Decreto 9147/2017 estabeleceu inclusive medida mais protetiva ao meio ambiente, ao proibir, em princípio, a instalação de empreendimentos minerários em Unidades de Conservação de Uso Sustentável, nas quais, por lei, deve-se compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, excetuando-se a vedação tão somente àquelas em que já for prevista no plano de manejo tal possibilidade. Veja-se:

Art. 3º  Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza ou com terras indígenas demarcadas fica proibido, exceto se previsto no plano de manejo, o deferimento de:

I - autorização de pesquisa mineral;

II - concessão de lavra;

III - permissão de lavra garimpeira;

IV - licenciamento; e

V - qualquer outro tipo de direito de exploração minerária. 

Além disso, das Unidades de Conservação que se localizam na área da extinta Renca, apenas quatro são de uso sustentável, Reserva Extrativista do Rio Cajari, Floresta Estadual do Amapá, Floresta Estadual do Paru e Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Irataputu, sendo que, dessas, apenas a Floresta Estadual do Paru possui plano de manejo aprovado que permita a mineração dentro de seus limites.

Assim é que, de acordo com estimativas do Governo Federal, apenas cerca de 15 a 30% da área total da extinta Renca será passível, em tese, de outorga de títulos minerários, estando o remanescente impedido em virtude de conflito de usos com unidades de conservação, áreas indígenas ou outros espaços territoriais especialmente protegidos.

Em paralelo a isso, cumpre rememorar que a instalação de empreendimentos potencialmente poluidores depende de licenciamento ambiental perante os órgãos competentes, o que, no caso de aproveitamento mineral em áreas da extinta Renca, certamente se dará de forma a garantir que as atividades provoquem o menor impacto possível.

É certo, portanto, que a instalação de quaisquer empreendimentos potencialmente poluidores nessa área (e não apenas os de exploração mineral), somente poderá ocorrer após a obtenção de licença específica do órgão ambiental competente, de modo que não há se falar, como foi amplamente cogitado pela imprensa não especializada, que a revogação da Renca implicaria em degradação ambiental da Amazônia.

O que a extinção da Renca possibilita, em outras palavras, é que, caso o Órgão Ambiental venha a autorizar a instalação de empreendimentos minerários na região, não haja outros impedimentos legais para tanto.

Nesse sentido, é necessário destacar que, em sede de licenciamento ambiental, diversas condicionantes são impostas ao empreendedor para fins de instalação e desenvolvimento de seu empreendimento, tais como o compromisso de preservar áreas do entorno, inclusive maiores que a área diretamente afetada pelo empreendimento e a realização de estudos ambientais diversos.

Um exemplo de preservação ambiental associada à atividade de mineração devidamente licenciada é o Projeto Carajás, localizado na Floresta Nacional de Carajás, em que a área da mina ocupa apenas 2% da floresta e sua atividade econômica ajuda a financiar projetos de preservação ambiental no local.

Ademais, possibilitar que, em tese, empreendimentos sejam instalados de forma legal na região, implica em, de certa maneira, transferir ao particular a responsabilidade pela fiscalização das áreas, o que, de forma transversa, significa contar com o auxílio do empreendedor na fiscalização da instalação de garimpos ilegais, pecuária extensiva, madeireiros e outros, que promovem o desmatamento e poluem o ambiente sem qualquer tipo de controle do Poder Público.

Nesse sentido, é sabido que o impedimento de instalação de empreendimentos em determinado local não é suficiente, por si só, para impedir o seu desmatamento, ou para promover a sua proteção ambiental, servindo, na realidade, como atrativo à instalação irregular de garimpeiros, posseiros e grileiros, que o fazem ao largo de qualquer tipo de fiscalização.

Trata-se de situação similar à das faixas de fronteira, em que, por ser proibida a instalação de diversos tipos de empreendimentos, acabam se tornando regiões ermas e com pouca fiscalização, o que favorece a prática de atividades ilícitas e acaba indo em sentido oposto à proteção inicialmente pretendida.

Por isso, se o objetivo preponderante da tentativa de manutenção da Renca for a preservação integral da biodiversidade local, mediante o impedimento de instalação de empreendimentos de mineração, deverão ser criadas Unidades de Conservação nas áreas que ainda não são sujeitas a essa proteção. Utilizar-se dessa reserva, que não possui instrumentos para esta pretensão ambiental, vez que expedida para outra finalidade, além de impedir, na prática, uma das possíveis atividades a serem desenvolvidas na região (notadamente pela exclusão prévia e sem razão aparente - a não ser ideológica ou por desinformação -, de uma atividade lícita, legitima e que poderá trazer benefícios), não é capaz de garantir a proteção da sua biodiversidade.

(*) João Raso, advogado da Mendo de Souza Advogados Associados

 

 

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