Otimização de um método de fluorescência de raios-X para análise de ouro em joias

Trabalho apresentado no I Simpósio Nacional de Ourivesaria e Design de Joias

Por Conexão Mineral 18/08/2017 - 14:11 hs

Por Carolina Santiago, Bruna Miranda e Jurgen Schnellrath*

 

O ouro é um dos principais elementos químicos presentes nas ligas metálicas voltadas para a produção de joias, sendo o seu teor um dos principais fatores utilizados para a valoração das mesmas. Diversas técnicas analíticas são capazes de determinar a quantidade de ouro presente em uma liga, sendo a copelação a principal delas. Apesar de ser destrutiva e somente o teor do ouro ser obtido, a copelação apresenta os menores erros e é considerada padrão para esta determinação. A fluorescência de raios-X é uma técnica usada para investigação qualitativa e quantitativa dos elementos presentes em uma amostra. Suas principais vantagens estão relacionadas à rapidez da análise e seu caráter não destrutivo. Neste trabalho foram estudados e otimizados os principais fatores que influenciam na quantificação do ouro em uma matriz de ouro-prata-cobre pelo método de Parâmetros Fundamentais sem a necessidade do uso padrões.

1 - Introdução

O mercado joalheiro é responsável pela movimentação de aproximadamente 150 bilhões de dólares anuais, em todo o mundo. Por se tratar de um mercado de volume significativo, fez-se necessária a existência de órgãos responsáveis pela sua normalização. O principal órgão normalizador é a CIBJO (The World Jewellry Confederation), que atua em escala internacional. O representante brasileiro é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), tendo o IBGM como parceiro para cuidar do CB-033, o Comitê Brasileiro de Joalheria, Gemas, Metais Preciosos e Bijuteria. A ABNT, juntamente com o Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), participaram do projeto ABNTGemas de “Apoio à Normalização e Avaliação da Conformidade do Setor de Gemas, Joias e Afins”.

Definido pelo próprio setor joalheiro, a certificação do teor de ouro em joias voltadas para comercialização no mercado interno e externo foi sinalizada como o primeiro programa de avaliação da conformidade a ser realizado pelo projeto. Neste sentido, ficou estabelecido que o CETEM desenvolveria uma metodologia não destrutiva para a análise de rotina do teor de ouro e, posteriormente, também de outros metais nobres, em joias.

O ouro utilizado na produção de joias encontra-se associado a outros elementos químicos (cobre, prata, níquel, zinco, entre outros) sob a forma de liga. A porcentagem de ouro nas ligas determina a pureza das mesmas e influenciam diretamente o seu valor. A liga mais comum no mercado mundial é 750 (750 partes de ouro em mil partes de liga) e, em geral, matriz formada por ouro, prata e cobre.

Diversos são os métodos existentes para análise do teor de metais nobres em joias, sendo alguns apenas capazes de determinar o teor do ouro nas mesmas. A pedra de toque e a copelação são exemplos de ensaios nos quais somente o teor de ouro é obtido, sendo o primeiro considerado não destrutivo, de erro médio variando entre 1 e 2%, e o segundo, destrutivo, de erro próximo a 0,02%. Métodos espectroscópicos possuem como vantagem a possibilidade de determinação de todos os elementos presentes nas ligas metálicas, sendo o ICP (inductively coupled plasma) um método destrutivo com erro de 0,1%, e a fluorescência de raios-X, um método não destrutivo com erro de 0,1 a 0,5% (Jotanović et al., 2012; Jurado-López et al., 2006; Rößiger, et al., 2003). Dentre os métodos citados, a copelação é considerada padrão internacional, possuindo uma norma ISO para a sua realização (ISO 11426:2014 “Determination of gold in gold jewellery alloys - Cupellation method (fire assay)”).

A fluorescência de raios-X é uma técnica analítica usada para investigar a composição elementar de uma amostra de maneira qualitativa e quantitativa. Seu princípio de funcionamento (Arai, T., 2005) pode ser simplificado da seguinte maneira: quando um feixe de raios-X atinge os átomos presentes na amostra, elétrons dos orbitais mais internos são ejetados dos mesmos. Com isso, elétrons de níveis mais externos realizam uma transição quântica e preenchem as vacâncias deixadas pelos elétrons liberados. Quando os elétrons realizam estas transições eletrônicas, emitem energia sob a forma de raios-X. As energias emitidas são discretas e representam uma assinatura dos elementos químicos.

As principais vantagens deste método em relação aos outros disponíveis estão relacionadas ao seu caráter não destrutivo, a falta de necessidade de preparação da amostra, a rapidez na obtenção dos resultados e a obtenção dos teores de todos os elementos presentes no material analisado.

Para a execução deste projeto duas grandes etapas foram planejadas: a otimização das condições analíticas para ouro e a comparação entre os métodos quantitativos disponíveis (parâmetros fundamentais, parâmetros fundamentais adicionados a padrões e curvas de calibração). Este trabalho representa a primeira etapa do projeto.

2 - Experimental

2.1 Instrumentação

A micro-fluorescência de raios-X por sistema de energia dispersiva (Micro-FRX-SED) Orbis PC SDD, da empresa EDAX, foi usada neste estudo. Ela é equipada com tudo de raios-x com anodo de Ródio e detector de sílica (silicon drift detector – SDD). As dimensões da câmara de vácuo (altura de 100 mm, largura e profundidade de 270 mm) possibilitam a análise de amostras moderadamente grandes. Duas câmeras de vídeo (10 e 70 aumentos) permitem fácil localização e identificação da área analisada. O equipamento possui dois colimadores (1 e 2 mm) e uma ótica policapilar capaz de produzir um feixe de apenas 30 μm de diâmetro. Esta última foi escolhida como padrão por possibilitar a análise heterogeneidades em joias, como o uso de diferentes ligas numa mesma peça, garras, pontos de solda, entre outras. Por fim, 6 filtros primários, localizados entre os fótons emitidos pelo tubo de raios-X e a amostra, podem ser usados para filtrar as energias de determinadas áreas do espectro, como as linhas de ródio emitidas pelo anodo do tubo.

As amostras podem ser quantificadas através de 3 métodos: Parâmetros Fundamentais, Parâmetros Fundamentais somados a padrões e curvas de calibração. Para esta etapa do projeto o método de quantificação usado foi o de Parâmetros Fundamentais. Os ajustes do equipamento e as quantificações foram realizadas no software Orbis Vision.

2.2 Amostras

Foram usados como amostras 9 materiais de referência certificados da Helmut Fischer e 13 materiais de referência, específicos para micro-fluorescência de raios-X, da Fluxana. Esses padrões (tabela 1) possuem teores de ouro variando entre 33-95% em uma matriz com prata (2- 58%) e cobre (2-42%). Essas composições foram escolhidas por representarem as ligas metálicas mais utilizadas para a confecção de joias.

Tabela 1 - Lista dos padrões utilizados e suas respectivas composições químicas.

(ver Tabela 1 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

3 - Resultados e discussões

3.1 Otimização do tempo de análise

Para otimização do tempo foram efetuadas 10 análises em um mesmo ponto no padrão CCCTJ, repetidas 3 vezes para diferentes intervalos de tempo (30, 60, 90, 120, 150, 180 e 210 segundos), nas mesmas condições analíticas. Vale ressaltar que este tempo representa o tempo de análise e não o tempo do relógio (tempo do relógio = tempo de análise + “tempo morto” do detector). Observa-se, a partir do gráfico 1, que o desvio padrão apresenta uma diminuição substancial entre 30 e 120 segundos até atingir uma relativa constância a partir de 150 s. Adotou-se assim o tempo de análise de 150 segundos como padrão, visando a agilidade dos ensaios.

Gráfico 1 – Variação dos valores de desvio padrão (eixo y) de acordo com a variação do tempo de análise (eixo x). Observar que os tempos de 150 e 180 segundos apresentaram os menores valores de desvio padrão.

(ver Gráfico 1 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

3.2 Otimização das condições de excitação da amostra e determinação da linha de emissão elementar a ser quantificada

Essas otimizações foram realizadas simultaneamente devido à influência que os fatores considerados exercem entre si (quadro 1). Todos os padrões tiveram um ponto analisado em diferentes condições e os erros obtidos foram usados para verificar quais as melhores condições aplicadas. Em relação às condições de excitação da amostra, a tensão e a corrente aplicadas, bem como o tempo de leitura de cada fóton e o uso ou não de filtro primário de alumínio, todas estas variáveis foram levadas em consideração. Esses fatores, conjugados com a escolha das linhas de emissão a serem quantificadas, formam as 30 condições analíticas testadas para cada padrão (tabela 2).

Quadro 1 – Descrição das variáveis consideradas, suas variações e as implicações que suas variações provocam.

(ver Quadro 1 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

Tabela 2 – Lista das configurações de condições de análise, como uso ou não de filtros, AmpTime e linhas de emissão de cada elemento escolhidas para a quantificação.

(ver Tabela 2 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

No gráfico 2 é possível visualizar a influência que a mudança do AmpTime provoca na resolução do espectro. As análises foram realizadas em um mesmo ponto sob diferentes condições, sendo somente a tensão aplicada mantida constante: a linha azul representa o espectro coletado com AmpTime de 0.5 milissegundos, filtro de alumínio e corrente de 1000 μA; a linha laranja representa o espectro coletado com AmpTime de 6.4 milissegundos, sem filtro e corrente de 85 μA. A seta indica uma melhora considerável no sinal da linha L da prata na segunda condição, embora deva se levar em conta que esta região tem sua intensidade de excitação reduzida pelo

uso do filtro na primeira análise. Além disso, é possível notar que a resolução do espectro apresenta melhora quando o tempo de análise de cada fóton pelo detector é aumentado.

Gráfico 2 – Comparação entre duas análises realizadas com diferentes AmpTimes visando entender as influências deste parâmetro no espectro gerado.

(ver Gráfico 2 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

Apesar das amostras analisadas apresentarem consideráveis diferenças nas concentrações de ouro, prata e cobre, algumas tendências foram observadas, dentre as 30 condições analíticas aplicadas, e não apresentam dependência da composição química do material. Os gráficos 3, 4, 5 e 6 são representativos dos resultados obtidos para ligas de ouro 916, 750, 585 e 333, respectivamente. Cada configuração tem o seu erro relativo representado por uma barra, em ordem crescente da primeira a trigésima, da esquerda para a direita. Os erros foram calculados através da seguinte fórmula: [(valor medido – valor indicado pelo padrão)X100]/valor medido.

A primeira tendência observada corrobora com os dados obtidos na comparação dos AmpTimes, onde o erro da linha L da prata reduz consideravelmente, de uma maneira geral, quanto maior for o AmpTime escolhido. Já para o cobre e o ouro, o melhor AmpTime a ser aplicado se apresenta condicionado ao uso ou não de filtro e a linha da quantificação escolhida.

A segunda grande tendência observada foi que as configurações que utilizavam o filtro obtiveram erros menores quando comparadas às configurações sem o filtro, independente da linha escolhida para a quantificação e da composição química da amostra.

Por fim, os menores erros para ouro, e por vezes para prata e cobre também, foram majoritariamente obtidos quando as amostras eram analisadas com a configuração 21. Nesta configuração o AmpTime é de 0,5, o filtro primário de alumínio é utilizado, e as linhas L do ouro, L da prata e K do cobre são quantificadas. Essa foi então considerada uma condição ótima para análise sem padrões de ligas com composição de ouro, prata e cobre, independente da concentração.

Gráfico 3 – Representação dos erros relativos encontrados para o padrão 701, que é composto por 4,59% de prata, 91,76% de ouro e 3,65% de cobre. Os menores erros foram observados nas configurações que possuíam filtro de alumínio e as linhas L do ouro e da prata, juntamente com a K do cobre eram quantificadas (configurações 21 a 25).

(ver Gráfico 3 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

Gráfico 4 – Representação dos erros relativos encontrados para o padrão CCCTJ, que é composto por 15,36% de prata, 75,08% de ouro e 9,56% de cobre. Os menores erros foram novamente observados nas configurações que possuíam filtro de alumínio e as linhas L do ouro e da prata, juntamente com a K do cobre eram quantificadas (configurações 21 a 25).

(ver Gráfico 4 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

Gráfico 5 – Representação dos erros relativos encontrados para o padrão 739, que é composto por 29,42% de prata, 58,52% de ouro e 12,06% de cobre. As configurações que possuíam filtro de alumínio e onde as linhas L do ouro e da prata, juntamente com a K do cobre eram quantificadas (configurações 21 a 25), apresentaram os menores erros relativos.

(ver Gráfico 5 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

Gráfico 6 – Representação dos erros relativos encontrados para o padrão CBFFB, que é composto por 19,66% de prata, 37,49% de ouro e 42,85% de cobre. Os menores erros foram obtidos quando as linhas L do ouro e da prata, juntamente com a K do cobre eram quantificadas e o filtro de alumínio era utilizado (configurações 21 a 25).

(ver Gráfico 6 na galeria de imagens disponível ao final do texto)

4 - Conclusões

Em um sistema de análise por fluorescência de raios-x muitas variáveis estão presentes, como as condições de excitação da amostra, por exemplo. Quando se busca o menor erro possível para um elemento em determinada matriz, os estudos das influências dessas variáveis no resultado final devem ser realizados. Neste trabalho, foram levados em consideração o tempo de análise, o tempo que o detector leva para ler cada fóton, o uso de filtro primário de alumínio e as linhas de emissão a serem quantificadas para cada elemento.

A escolha do tempo de análise visou a rapidez da mesma, tendo sido testados tempos entre 30 e 210 segundos. Os tempos de 150 e 180 segundos foram os que apresentaram os menores desvios padrão. O tempo de 150 foi o que melhor atendeu a relação rapidez/menor erro possível, e foi então definido como tempo padrão para este tipo de análise.

O ajuste automático da corrente pelo software, visando obter um “tempo morto” do detector de até 25%, mostrou-se positivo, e em nenhum dos ensaios realizados houve saturação do detector. A fixação da tensão em 48 kV mostrou-se também efetiva, permitindo que as linhas K e L da prata fossem avaliadas.

A avaliação do AmpTime em conjunto com o uso de filtro primário e das linhas de emissão a serem quantificadas, foi bem-sucedida, e exemplificou a necessidade da avaliação dessas variáveis quando as mesmas são aplicáveis. Os menores erros relativos foram obtidos quando as configurações utilizadas apresentavam o uso de filtro primário de alumínio e as linhas quantificadas eram a L para a prata e para o ouro, e a linha K para o cobre (configurações 21, 22, 23, 24 e 25). A configuração 21, em particular, foi a que apresentou o menor erro para diversas amostras, sendo então definida como a configuração padrão para análise de ouro pelo método de Parâmetros Fundamentais sem padrões.

Referências

Jotanović, A., Memić, M., Suljagić, Š., & Huremović, J. (2012). Comparison of x-ray fluorescent analysis and cupellation method for determination of gold in gold jewellery alloy. Glasnik hemičara i tehnologa Bosne i Hercegovine, 38, 13-18.

Jurado-López, A., de Castro, L., & Pérez-Morales, R. (2006). Application of energy-dispersive X-ray fluorescence to jewellery samples determining gold and silver. Gold Bulletin, 39(1), 16- 21.

Rößiger, V. & Nensel, B. (2003). Non Destructive Analysis of Gold Alloys Using Energy Dispersive X-Ray Fluorescence Analysis. Gold Bulletin, 36(4), 125-137.

Arai, T. (2005). Introduction. Em B. Beckhoff, B. Kanngiesser, N. Langhoff, R. Wedell, & H. Wolff (Ed.), Handobook of Practical X-Ray Fluorescence Analysis (pp. 1 -32).

 

(*) Carolina Santiago e Bruna Miranda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Jurgen Schnellrath, do Centro de Tecnologia Mineral. Trabalho apresentado no do I Simpósio Nacional de Ourivesaria e Design de Joias, realizado em maio na cidade de Belo Horizonte (MG).